DA LUZ DE CABO VERDE À ESCURIDÃO DE ANGOLA

Mais de 90% da população cabo-verdiana tem acesso a electricidade e quase 75% a água potável de forma segura, indicam dados definitivos do quinto Recenseamento Geral da População e Habitação (RGPH-2021), anunciados hoje pelo Instituto Nacional de Estatística.

Em termos globais, com dados desagregados do recenseamento, de acordo com a apresentação feita hoje na Praia pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a proporção de população com acesso à electricidade era, em 2021, de 91,5%, e a que usava serviços de água potável “administrados de forma segura” de 74,7%.

O RGPH-2021 de Cabo Verde, a maior operação estatística do arquipélago, ao envolver cerca de 2.000 profissionais, decorreu no terreno, com a recolha de dados totalmente em formato digital, de 16 de Junho a 7 de Julho de 2021.

Em concreto, o relatório do levantamento refere que 65,9% dos agregados familiares recebiam água canalizada da rede pública, mas também que 8,3% utilizavam, à data, velas para iluminação da casa e 2,1% petróleo ou gás.

Os dados desagregados do recenseamento no âmbito dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) apontam ainda que 2,1% da população urbana vivia em “barracas, assentamentos informais ou habitação inadequada” e 0,2% em contentores ou outros locais improvisados.

Em termos globais, os “resultados definitivos” do RGPH-2021 referem que foram recenseados 150.206 edifícios, 201.348 alojamentos, 147.984 agregados familiares e 505.044 indivíduos. Da população recenseada, 491.233 são residentes, 13.504 visitas, 104 sem-abrigo e 203 estavam atracados em navios nos portos do país.

O estudo acrescenta que em 2021 o tamanho médio dos agregados familiares em Cabo Verde era de 3,3, quando no anterior censo, em 2010, estava em 4,2 elementos.

No meio rural, 51,1% dos agregados familiares ainda utilizam lenha para cozinhar, tal como 7% das famílias que residiam no meio urbano. Em termos de média nacional, o gás representa 78,5% da fonte de energia utilizada para cozinhar em Cabo Verde.

Os dados definitivos do RGPH-2021 apontam ainda que 17.961 cabo-verdianos emigraram nos últimos cinco anos anteriores à realização do censo, em 2021, essencialmente para Portugal (61,9%), Estados Unidos da América (17,8%) e França (6,6%). Desse total, 45,6% tinham entre 15 a 24 anos.

Entre a população residente no arquipélago com mais de 12 anos, o estudo do INE refere que 44,5% eram solteiros, 29,4% viviam em união de facto e 12,5% estavam casados, enquanto 10,2% estavam legalmente separados.

Do total de residentes no país (491.233), o município da Praia concentrava 29,6% da população nacional, seguida de São Vicente, com 15,4%, de Santa Catarina (ilha de Santiago), com 7,7% e do Sal, com 6,8%.

Entre os 352.494 indivíduos com mais de 15 anos, o estudo refere que 72,5% assumiu professar a religião Católica, 1,9% a Adventista, 1,8% a Igreja do Nazareno, 1,7% a Racionalismo Cristã e, entre outras, 1,3% a Islâmica, enquanto 15,6% não tinham religião.

Cabo Verde já realizou quatro recenseamentos após a independência, em 1980, 1990, 2000 e 2010. No anterior, realizado em 2010, a população residente no arquipélago então contabilizada foi de 491.875 pessoas, 117.289 agregados familiares, além de 114.297 edifícios e 141.761 alojamentos.

Este quinto Recenseamento Geral da População e Habitação deveria ter ocorrido em 2020, mas foi adiado para o ano seguinte, face à pandemia de Covid-19.

Para realizar esta operação, o INE de Cabo Verde lançou um concurso para recrutar 1.625 agentes recenseadores no arquipélago, mas a operação envolveu globalmente cerca de 2.000 trabalhadores.

Segundo o INE, está prevista a divulgação de 40 publicações, sendo 24 volumes estatísticos, dados brutos, e 16 volumes de análise sobre temas variados e estudos temáticos, com base nesta operação de recenseamento.

A realização da operação está estimada em cerca de 700 milhões de escudos (6,3 milhões de euros), financiados, além do Governo de Cabo Verde, pela Cooperação Luxemburguesa, União Europeia, Escritório Conjunto das Nações Unidas e a Cooperação Espanhola.

E a escuridão de Angola

João Baptista Borges, o ministro da Energia e Águas angolano, que é titular desta pasta apenas desde 2011, disse no dia 10 de Setembro de 2019, em Luanda, que era preciso aumentar a taxa de acesso à electricidade, num país onde só menos de metade dos cerca de 30 milhões de habitantes tem acesso a luz. Não é uma questão de desfaçatez. É uma questão de criminosa incompetência.

João Baptista Borges discursava na abertura da palestra sobre o Financiamento dos Projectos de Energia Renováveis e o Ambiente Regulatório Óptimo para o Sector da Energia Eléctrica, promovido pelo Programa Power África, do Governo norte-americano, no âmbito da cooperação com Angola no domínio da energia eléctrica.

Segundo o ministro, havia uma significativa parte da população ainda a viver em áreas rurais ou semi-rurais, zonas das periferias das cidades, e é necessário encontrar-se soluções que sejam económicas para se levar energia eléctrica a essas localidades, eventualmente (quem sabe?) testando essa metodologia no Bairro dos Ministérios, no ginásio para os deputados ou até no Palácio Presidencial.

“O nosso país dispõe de recursos abundantes, recursos energéticos, primários como é o caso da energia solar”, que tem hoje um custo cada vez mais competitivo e é uma solução para a electrificação do país, admitiu o ministro. Depreende-se, perante tão sábia conclusão, que esses recursos abundantes só agora foram descobertos, pois o MPLA está no Governo desde 1975.

O titular da pasta da Energia e Águas sublinhou que o Plano de Desenvolvimento do Sector Eléctrico e o Plano de Segurança Energética apontavam para a construção de uma capacidade de cerca de 600 megawatts de energia solar no país até 2022, com a instalação de cerca de 30.000 sistemas individuais de produção de energias fotovoltaicas.

Se em 2022 já será assim, o que será Angola quando o MPLA festejar os 100 anos de governação? E já não falta tudo. Mais 54 e lá estará o país a entrar no paraíso.

O governante, o tal que é ministro desta pasta 11 anos, salientou que para se alcançar essa meta conta com o concurso do sector privado, sendo que este terá de fazer o que o Estado/MPLA mandar.

Relativamente à cooperação com os Estados Unidos da América, João Baptista Borges frisou os efeitos positivos da relação, com a participação de um consultor contratado no âmbito do Programa Power África, que durante dois anos trabalhou no ministério para ajudar na preparação da regulamentação das energias renováveis.

Também no âmbito da cooperação, o ministro referiu a formação de técnicos do Instituto Regulador do Sector de Electricidade e Água (IRSEA), estando então em fase de conclusão um conjunto de regulamentos para facilitar ainda mais a participação do sector privado.

“Refiro-me principalmente à regulamentação que esteja ligada às tarifas ‘feed-in’, as tarifas que vão ser adoptadas nas energias renováveis, bem como o regulamento na produção de energias renováveis. É um pacote que vai permitir abrir ainda mais a porta ao investimento privado”, frisou.

Por sua vez, a então embaixadora dos EUA em Luanda, Nina Fiti, disse que o seu país continuava a ser um importante parceiro de Angola no sector da energia, com trabalho conjunto em várias iniciativas, incluindo o Diálogo Estratégico sobre Energia e Power África.

De acordo com Nina Fiti, as empresas de energia dos Estados Unidos também estavam muito envolvidas em Angola e estavam empenhadas em ultrapassar os desafios, bem como em investir em Angola a longo prazo.

“As nossas empresas continuarão a desempenhar um papel na economia e no crescimento futuro de Angola”, disse a embaixadora, destacando que para que isso aconteça “é necessário que existam as condições certas”.

“No caso da energia solar dos Estados Unidos, as nossas empresas do ramo prosperaram com práticas comerciais previsíveis e transparentes, uma estrutura reguladora estável e acesso a financiamento. Essas condições permitiram às empresas de energia solar norte-americanas identificar oportunidades, planear, investir e crescer. As empresas e os empresários angolanos – o núcleo do futuro económico de Angola – também podem prosperar num ambiente assim”, sublinhou.

Promessas que ficam às… escuras

No início de Setembro de 2016 ficou a sabe-se que o Estado iria capitalizar a nova empresa pública nacional responsável pela comercialização e distribuição de electricidade com mais de 38 milhões de euros, segundo um despacho presidencial.

De acordo com o documento assinado pelo então Presidente José Eduardo dos Santos, de 18 de Agosto, foi autorizado um crédito adicional para a capitalização da Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade, criada em Novembro de 2014.

Estabelecia-se ainda que caberia ao Instituto para o Sector Empresarial Público a abertura do crédito necessário, no valor de 5.417.600.000 de kwanzas (38,6 milhões de euros).

O Governo criara um ano antes, sob a égide de João Baptista Borges, três novas empresas públicas para gerir a área da energia, avaliadas em mais de 9,5 mil milhões de euros, e a extinção de outras duas.

A decisão foi justificada pelo Executivo de José Eduardo dos Santos com a “estratégia de desenvolvimento do sector eléctrico” do país e pela necessidade de “saneamento financeiro das empresas do sector”.

A nova estrutura organizativa do sector, também no âmbito do desenvolvimento programado até 2025, envolveu a criação de unidades de negócio dedicadas expressamente à Produção, Transporte e Distribuição de energia.

O diploma com estas medidas aprovou também a extinção das empresas públicas ENE (Empresa Nacional de Electricidade) e EDEL (Empresa de Distribuição de Electricidade).

Os activos destas duas empresas – e ainda do Gabinete de Aproveitamento do Médio Kwanza -, bem como responsabilidades e trabalhadores foram distribuídos, em função das unidades de negócio, pelas novas empresas criadas.

Foi o caso da empresa pública de Produção de Electricidade (PRODEL), “responsável pela exploração, em regime de serviço público, dos centros electroprodutores”, integrando um capital estatutário de 4.997 milhões de dólares (4,4 mil milhões de euros).

Outra das novas empresas públicas constituídas foi a Rede Nacional de Transporte de Electricidade (RNT), “dedicada exclusivamente à gestão do sistema, à operação do mercado (comprador único) e à gestão da rede de transporte” e com um capital estatuário de 2.997 milhões de dólares (2,6 mil milhões de euros).

Por último, o mesmo diploma criou a Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE), dedicada “exclusivamente à comercialização e distribuição de energia eléctrica, no âmbito do sistema eléctrico público”, representando um capital estatuário de 2.918 milhões de dólares (mais de 2,6 mil milhões de euros).

Produção hidroeléctrica

Recorde-se, entretanto, que o Governo chamou uma empresa privada para estudar a potencialidade e viabilidade de novos projectos de produção hidroeléctrica no país.

Segundo o despacho presidencial de 8 de Abril de 2016, o Ministério da Energia e Águas (do ministro João Baptista Borges) foi autorizado a celebrar um Memorando de Entendimento com a empresa Organizações Mário Freitas & Filhos, para a realização em conjunto de estudos preliminares de viabilidade para projectos de infra-estruturas eléctricas nos domínios de Produção, Transporte e Distribuição.

“Tendo em conta a existência em Angola de um potencial hidroeléctrico elevado e a possibilidade de serem consideradas ampliações na capacidade de geração de energia hidroeléctrica”, lê-se no documento.

Além disso, o Governo reconhece nesse projecto a “necessidade de reabilitar e expandir as redes de distribuição de electricidade das sedes municipais e implementar os projectos de electrificação rural”.

Angola precisava de mais do que duplicar a capacidade de produção de electricidade instalada no país, para cerca de 5.000 MegaWatts (MW), para responder a um crescimento de 12% ao ano no consumo.

Os números foram transmitidos pelo ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, tendo então admitindo que a actual potência instalada, de 2.162 MW, não era suficiente para responder ao consumo real.

“E estes números não incluem fontes térmicas privadas [geradores] que as pessoas usam para garantir o fornecimento próprio, porque são equipamentos importados e que não estão identificados. Daí que estes 5.000 MW sejam uma estimativa das nossas reais necessidades”, assumiu o ministro.

Na prática, este défice provoca sistemáticos cortes no fornecimento de electricidade à população, face ao aumento do consumo, explicado com o registo de subida das temperaturas no país, além da reduzida taxa de cobertura do território.

O plano de reforço da capacidade instalada em Angola envolvia, até 2017, a ampliação da barragem de Cambambe, a construção da barragem de Laúca (ambas na província do Cuanza Norte) e da Central do Ciclo Combinado do Soyo (província do Zaire), permitindo atingir a produção considerada necessária para assegurar os consumos de uma população de 24,3 milhões de pessoas.

Folha 8 com Lusa

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